segunda-feira, 30 de abril de 2012

Carnaval - Dia 02


DIA 02 – terça

Primeiro passeio de barco. O destino seriam as ilhas ao redor e as piscinas naturais. Aristides, nosso personagem do início da viagem, motorista/dono da pousada; havia nos oferecido uma escuna só com os hóspedes da pousada. Algo mais exclusivo. Descartamos totalmente depois de escutar o seguinte comentário vindo dele: “não vai ter toda aquela negrice”. Bom, acredito que vocês já tenham entendido o tipo de gente que ele era. Fomos pelo caminho tradicional e pegamos a mesma escuna que todo mundo pega.

Tenho que admitir. Quando digo, todo mundo pega, entendam: TODO mundo pega.



Nos instalamos bem na frente pra fugir do cheiro de diesel queimado e aproveitarmos melhor à vista. Bem na nossa frente se instalou uma família de cariocas. Quero fazer um parênteses. Não tenho nada contra cariocas. Mesmo. Foi apenas uma coincidência infeliz. Enfim, se instalaram na nossa frente uma avó que fumava com muito mais vigor e frequência que muitos jovens na balada; uma mãe que seguiu deitada na rede da proa como se estivesse na sala de casa. Imaginem as pernas abertas em cima do sofá. Então. .... Eu preciso de um momento de silêncio depois de rememorar esta cena.



Mas uma coisa tenho que admitir, o neto era um fofo. Ia e vinha de tempos em tempos para ver se a avó precisava de alguma coisa ou simplesmente pra lhe fazer um carinho. Owwww.... A gente ficou encantada.

Desce do barco, mergulha, sobe no barco, família carioca, desce do barco, caminha, mergulha, sobe no barco, família carioca. O dia estava lindo e as paisagens eram fantásticas mas em algum momento do passeio minhas costas simplesmente travaram. Me senti muito velha neste momento. Não imaginei que diria tão cedo na minha vida “Minhas costas estão doendo”. E assim fomos. No almoço algo a tempos desejado pela Carina. Lagosta. Precisavam ver a cara dela de feliz quando o prato chegou. 



Eu me recostei em uma árvore e enfrentei as dores como se existisse alguma possibilidade de ignorá-la. O negócio estava feio e quando começou a latejar cheguei a cogitar a possibilidade de encurtar o passeio. Sem chance. Todos os barcos ainda teriam mais uma parada antes de voltar pra terra firme. Bom, fazer o que? Quando subi à bordo, me deitei de uma forma minimamente confortável e fui naquela posição até chegar em Barra Grande. Confesso que o resto do passeio ficou meio nebuloso pra mim. A dor era tão grande que era como se eu estivesse dormindo e ouvindo vozes bem longe. Na última parada a leseira baiana se apossou sobre todas nós. Acho que por boa parte dos passageiros pelo que observei. Ficaram todos no barco aguardando ansiosamente a volta. Foi então que Priscila teve uma idéia fantástica. Se lembrou da placa de massagem existente no Macunaíma. O restaurante que jantamos na primeira noite. Foi então que eu conheci o Rubens.

Rubens é massagista, mestre de capoeira e dono de uma das baladas noturnas na cidade. Veio me descrevendo todos os tipos de massagem, com suas propriedades relaxantes, chacras, energias, blablablablabla. Deixando um pouco minha educação de lado e falei “Só quero que você coloque minhas costas no lugar”. Não sei se foi meu tom sério ou minha cara de desespero; mas imediatamente ele entendeu a mensagem. “Pois vamos então fazer isto imediatamente”. Foi como se eu estivesse escutando o médico me falar “Lhe daremos morfina neste instante”.

Nunca escutei tantos estalos na minha vida. Sei que no fim da massagem estava bem mais aliviada. Mas não tinha saída. No fundo, eu sabia. Aquela noite só a minha cama tinha vez. Nada mais. A esta altura nosso amigo Aristides havia nos arrumado outro quarto e dividimos a turma em dois. Assim ninguém precisava correr risco de morte na escada assassina. Estávamos todas seguras no andar térreo. Tomei um banho que pareceu o melhor de todos os tempos e quando deitei na cama meu corpo doeu todo de novo. Me entupi de remédio e me despedi das meninas que foram se divertir na vila.

Acordei com o alvoroço do retorno delas. Na mão um misto quente que caiu como um carinho. Mas a animação estava grande e tinha nome: Danilinho. Não estava lá; então terei que contar o que eu ouvi e da forma que ouvi. Estavam elas em um restaurante charmosérrimo que têm sombrinhas coloridas como luminárias, quando chegou, como de costume um vendedor de pulseiras artesanais na mesa. Ao olhar aquele moreno curtido de olhos verdes e sotaque manso, todas se derreteram. O garçom perguntou o que elas queriam. Uma pulseira verde, talvez. Não, um anel de pedras brancas. O garçom tentou de novo. Pra beber? Mas o moreno continuava ali. Quase deitado na mesa. E elas embriagadas com todo aquele charme. Carina, que se mostrou a repórter da viagem (sempre perguntava sobre a vida de todo mundo), perguntou se ele morava ali, há quanto tempo estava na cidade, quando ia embora, se estava com amigos, como fazia as peças.... Até que Danilinho lhe perguntou se ela era jornalista. Um pouco embaraçada fez o pedido da pizza pra distrair. O garçom agradeceu enormemente depois de meia hora tentando arrancar alguma coisa daquelas três meninas de sorriso bobo achando que ninguém estava percebendo. Resumo da ópera: Duas pulseiras e três anéis comprados com a promessa de que ele estaria na festa local no dia seguinte. Os suspiros de Carina eram tantos que ela até se esqueceu de Selton Mello por um momento.

Carnaval - Dia 01


DIA 01 - segunda

Às cinco da manhã acordamos com uma crise de riso no andar de baixo. Camilinha não conseguia nem explicar o motivo em função da falta de ar. Carina havia se levantado para ir ao banheiro e chegando lá escutou um sussurro chamando: “mamãe”, “mamãe”. Na confusão se ainda estava dormindo ou se seria alguma assombração local não pestanejou e perguntou de volta pela janela do banheiro: “Tem alguém aí?” e foi com esta cena que Camila acordou. Carina em cima do vaso de camisola perguntando se tinha alguém ali. E foi então que nós acordamos. Com Camila tendo crise de riso. Depois de meia hora tirando sarro da cara da Carina, conseguimos nos acalmar. E foi no silêncio do retorno ao sono que todas escutamos o sussurro: “mamãe”, “mamãe”. Não podia ser. E a Carina: “Eu disse! Eu disse!”. Vergonhosamente como garotas da cidade, que só estamos acostumadas com o barulho dos ônibus ou das baladas não havíamos conseguido identificar um simples passarinho. Nada de assombrações; apenas um passarinho que aprendemos; iria nos acompanhar por todas as manhãs.

Saímos animadas e começamos a explorar as redondezas. Aportamos em um bar à beira da praia super gostoso. O Deck. Mar calmo, vista linda, espreguiçadeira e um forro absolutamente charmoso nos quiosques. Estávamos psicologicamente preparadas para um ritmo que sabíamos, não seria o mesmo de São Paulo. Mas logo sentimos na pele toda a “agilidade felina” de Fernando. Nosso muito simpático atendente. Agilidade felina, aliás, foi uma expressão deveras usada neste feriado e serviu pra mais situações que gostaríamos. O dia foi delicioso e não podíamos ter pedido uma estreia melhor. Surpreendentemente a trilha sonora do local não tinha nada de Axé e nos pegamos escutando de “Jenny and the Jets” à João Gilberto.  



Só saímos de lá depois de um por do sol de tirar o fôlego e com a sensação de alma lavada.


À noite estávamos mortas, ainda não estávamos totalmente recuperadas das últimas semanas insanas de trabalho. O assunto do jantar de quatro mulheres não podia ser outro: meninos. E escutamos a pérola de Priscila: “quem gosta de migalha é pombo!” Nem preciso contextualizar, né? Todas nós podemos encaixar isto em algum momento de nossas vidas.

Carnaval - A chegada

Sei que o Carnaval já se foi há muito tempo; mas havia escrito as memórias da viagem e em função de pedidos vou dividí-la com vocês…. Um dia por vez, hein? Lá vai.


A CHEGADA - domingo

São Paulo, 19 de fevereiro. Resolvemos fechar um pacote de uma semana pro carnaval. Com isto, ao contrário de toda a cidade iríamos viajar apenas no domingo. Isto me deu a possibilidade de ir pela segunda vez a um bloquinho de carnaval de rua em São Paulo. Prudentemente, sabendo que iria viajar no dia seguinte e que teria que sair de casa às cinco da manhã, deveria ter ficado em casa quieta no sábado. Mas era carnaval e o bloco era na porta da minha casa; literalmente! Pensei que conseguiria me recuperar no dia seguinte durante à viagem; e com isto me joguei no bloco! Ê maravilha! Há quanto tempo não escutava Bandeira Branca…



Mas não há como escapar das consequências da decisão. Quando saí de casa às cinco ainda tinha bloco na rua. Foi meio surreal; mas parti sem olhar pra trás!

Na correria de fechar a viagem não consegui o mesmo voo que minhas amigas, então só as encontraria em Ilhéus. Também não consegui um voo direto, então após uma enorme peregrinação as encontrei às 15hs me aguardando para enfrentarmos a segunda parte da viagem de mais duas horas de estrada de terra, cheia de buracos, até Barra Grande. O que eram duas horas viraram fácil três em função da estrada.

Camilinha tem fobia de avião e os casos dela valem um capítulo à parte na história. É de rolar de rir! A vez em que ela começou a gritar, no meio do voo, que todo mundo ia morrer e teve que ser sedada pela comissária de bordo é ótima, se não fosse trágica! Mas quando ela descreve a porta do avião se abrindo e a equipe de terra aguardando por ela com uma cadeira de rodas (aguardando a pessoa que tem necessidades especiais) e tirando ela do avião antes de todo mundo é de chorar! Deixa todo mundo com vontade de passar por uma experiência dessas com ela pelo menos uma vez na vida. Bom, isto tudo pra dizer que obviamente quando pegamos o transfer ela ainda estava sob efeito do Rivotril e foi babando até Barra Grande. Acordava de tempos em tempos só para pescar partes das histórias o que depois geraria uma versão só dela do que foi dito; como se fosse uma colcha de retalhos.

A Carina sentou no banco da frente preocupada em ter que render conversa com o motorista durante o trajeto. Pois ela mal sabia que era só dar um tópico que ele desenvolvia pela próxima meia hora fácil. Um clichê. Um carioca que conheceu uma baiana e abriu uma pousada.

No intuito de nos tranquilizar sobre a extrema segurança da cidade e como poderíamos andar tranquilas; ele nos conta um caso de um assaltante que passou por essas bandas e foi assassinado pelo grupo local. Dando a entender, óbvio, que ele estava neste bando de justiceiros. Depois disso e milhares de casos sobre como ele era poderoso e mandava em toda a cidade, começamos a suspeitar o quanto do que ele dizia era realmente verdade. Priscila, muito esperta, a esta altura já o ignorava bravamente olhando a paisagem lá fora. Camila continuava sob o efeito do Rivotril e eu e Carina ainda tentando fazer o social. Foi então que começaram as histórias sobre as diversas formas que ele já tinha expulsado os hóspedes da pousada. Aparentemente sempre por culpa dos hóspedes; mas chegamos à Barra Grande com duas certezas: Uma – passar o mínimo de tempo possível na pousada. Duas – Arrumar outro transfer pra volta.

Na correria de bloquinho, acordar de madrugada, pegar avião, fazer escala; meu estômago já avisava em alto e bom som que à aquela altura, às sete da noite, eu precisava almoçar. Deixamos a bagagem na pousada e fomos direto pra vila. A primeira impressão não poderia ter sido melhor. Lojinhas pitorescas, restaurantes charmosos, piso batido de terra e muita gente desencanada. Paramos em um restaurante que se chama Macunaíma. Fica bem de frente pra praia com vista para o píer. Os assentos são grandes almofadões de chita no chão com mesas bem baixas, como se fossem tatames. A iluminação é toda feita com velas deixando um ambiente totalmente intimista. Da forma como chegamos acabadas depois de tanto sacolejo, nada melhor do que nos jogarmos pra começar nossas férias.

Prato principal: Mariscada e Risoto de frutos do mar
Bebidas: Caipirinha de maracujá e manga e cerveja.



A Caipirinha foi sugestão da Camilinha, que tomou pra ela a autoria da receita. Queira isto fosse verdade ou não, a combinação virou a vedete da viagem e nos acompanhou até o fim.

Não sei se a fome era grande; ou foi isto somado à paisagem linda, com o delicioso barulho do mar, o ambiente aconchegante, companhia insubstituível e nada, absolutamente nada de preocupações corriqueiras de São Paulo, foi a melhor refeição que fizemos na cidade.

De volta à pousada, começamos a constatar o inevitável; a conexão 3G e wi-fi seria um luxo que não encontraríamos com frequência. Um desafio para nós quatro que temos o Iphone como uma extensão do corpo  e onde a falta de conexão chega a gerar crises de ansiedade.

O quarto tinha duas camas embaixo e um mezanino com mais duas em cima. O detalhe era que pra chegar até lá tínhamos que enfrentar uma escada que de tão inclinada mais parecia uma escada marinheiro. Nos entreolhamos e pensamos como isto iria funcionar no dia que abusássemos da bebida. Não ia. Decidido. Se alguém exagerasse ia ficar no andar de baixo. Eu e Priscila fomos as corajosas a enfrentar a escadinha e depois de ignorarmos as baratinhas conseguimos todas cair no sono justo dos viajantes.